A luta das enfermeiras nos anos 50

19-11-1985

Com o decreto-lei 32:612 de 31 de dezembro de 1942 o ensino e o exercício da enfermagem passaram a ter um grande controlo por parte do Estado Novo, começando a ser exigido que o acesso à enfermagem por parte de candidatos do sexo feminino só pudesse ser feito no caso de mulheres solteiras ou de viúvas sem filhos. Para os homens não estavam colocadas tais restrições, porque a eles não estavam destinadas as tarefas familiares que ―competiam por natureza às mulheres, segundo o discurso ideológico do regime. Deste modo, era exigido às enfermeiras uma dedicação exclusiva e integral, que também foi exigido às professoras do ensino básico desta altura.

Foi a partir do Hospital Júlio de Matos de onde algumas enfermeiras tinham sido expulsas por terem casado, que surgiu a "luta das enfermeiras". A enfermeira Isaura Borges Coelho foi presa em 1953, por estar envolvida nesta luta, que envolveu largos sectores da sociedade portuguesa, inclusive a Igreja e a Liga Portuguesa de Profilaxia Social (LPPS). Contudo, Salazar resistia à ideia de existirem mulheres casadas na profissão de enfermeiras, pois seria sempre desejável afastá-las de preocupações e ambientes estranhos ao lar. Deste modo, a natureza absorvente da profissão não se coadunaria com os deveres de esposa e mãe. Isaura Borges Coelho foi julgada no Verão de 1954. Foi condenada a dois anos de prisão e foram-lhe ainda instauradas medidas de segurança renováveis de 3 em 3 meses e a suspensão de direitos políticos por 15 anos tendo como testemunhas de defesa Maria Lamas e Maria Isabel Aboim Inglez. Foi também presa por estar envolvida nesta luta a enfermeira Hortênsia Campos Lima.

Na base desta luta cruzaram-se razões de cariz ideológico diferentes: a luta contra uma discriminação a que as enfermeiras eram sujeitas, que se baseava na ideologia do regime e num retrato tradicional de "sacerdócio das enfermeiras e as razões de carácter" moral, que condenavam as relações fora do casamento, pois dessas relações clandestinas poderiam resultar filhos que não eram aceites.

Só em março de 1963, através do decreto-lei nº 44 923 o Ministério da Saúde e da Assistência passa a autorizar o casamento das enfermeiras.

Segundo Lúcília Escobar, no seu livro O Sexo das Profissões, o papel do Estado Novo para a construção de uma identidade socioprofissional da enfermagem teve como base um estereótipo feminino de que resultou uma segregação sexual do trabalho dentro da própria profissão.

Isaura da Silva

Isaura Assunção da Silva Borges Coelho, nasceu em 1926 e faleceu aos seus 93 anos o ano passado (2019).

Isaura da Silva foi enfermeira, mãe, ativista, figura importante da resistência ao fascismo, feminista, mulher de força e de ideais bem vincados. A enfermeira que lutou pelos direitos das mulheres, pela liberdade, contra o fascismo, lutou também pelo direito ao casamento das enfermeiras e torna-se assim uma figura central do movimento que foi intitulado como "A luta das enfermeiras".

O seu envolvimento nesta luta fez com que fosse presa em 1953, enquanto se dirigia para o MUD Juvenil (Movimento de Unidade Democrática) durante a campanha para as eleições da assembleia geral, por dinamizar o movimento das enfermeiras. Enquanto prisioneira foi espancada, arrastada pelos cabelos e colocada em isolamento pela Pide que a intitulou de "a casamenteira". O seu julgamento e a forma como era tratada deu aso a muitos protestos que pediam a sua libertação e apesar das estratégias para que não pudesse ter assistência dos apoiantes, o escritor Alexandre O'Neill, a escritora Maria Lamas, o engenheiro Álvaro Veiga de Oliveira e Maria Isabel Aboim Inglês conseguiram testemunhar o julgamento. O MUD Juvenil denunciava a situação num dos seus comunicados: "Com Isaura Silva, no banco dos réus, estão as enfermeiras e a juventude de Portugal"

A enfermeira foi condenada a dois anos de prisão, mas é apenas libertada em 1956 cumprindo mais tempo de prisão que o estipulado devido a medidas de segurança. É libertada num estado deplorável pelo que teve de ser internada por uns tempos. Devido ao seu ativismo político foi difícil manter um emprego. Em 1959 casa-se com António Borges Coelho, volta para casa dos pais em Portimão e ao longo deste tempo continuou sempre a ser vigiada pela polícia política. Voltou para Lisboa um ano depois onde conseguiu trabalho numa clínica privada, visto estar proibida de exercer em hospitais públicos. Exerceu, até à reforma, o cargo de enfermeira-chefe do Serviço de Prematuros da Maternidade Alfredo da Costa, onde foi igualmente delegada sindical dos enfermeiros.

Em 2002, pela sua luta pela democracia, liberdade e igualdade de direitos, recebeu do então Presidente da República, Jorge Sampaio, a condecoração da Ordem da Liberdade. No ano anterior à sua morte foi galardoada pelo município de Portimão com o título de cidadã benemérita e com a Medalha de Honra.

Aquando da sua morte a Câmara Municipal de Portimão manifestou publicamente "um voto sentido de pesar e de respeito profundo, muito sincero, pela memória de tão ilustre portimonense".


Trabalho realizado por Benedita Moura, Francisco Rocha, Catherine Martins e Catarina Martins, , da turma do 3º ano da Licenciatura em Serviço Social 20/21, com base nas seguintes fontes:

"Feminismos em Portugal (1947-2007)", Tese de Doutoramento de Maria Manuela Paiva Fernandes Tavares, defendida em 2008 no Doutoramento em Estudos sobre as Mulheres da Universidade Aberta. Disponível em  https://repositorioaberto.uab.pt/bitstream/10400.2/1346/1/Tese%20de%20doutoramento%20Manuela%20TavaresVF.pdf

https://www.dn.pt/pais/morreu-isabel-borges-coelho-antifascista-que-lutou-pelos-direitos-das-enfermeiras--11004915.html

https://pt.wikipedia.org/wiki/Isaura_Borges_Coelho

© 2020 LUTO [EU]. Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Webnode Cookies
Crie o seu site grátis! Este site foi criado com a Webnode. Crie o seu gratuitamente agora! Comece agora